sábado, 17 de novembro de 2012

Ruído não é levado a sério


Por Margarida Davim (SOL)

É um cenário negro aquele que é traçado pela Provedoria de Justiça em relação à fiscalização do ruído pelas câmaras municipais.
«Desde a falta de equipamentos de medição à falta de pessoal qualificado para usar o sonómetro», passando por «práticas permissivas na prevenção do ruído», a realidade observada pelo provedor de Justiça leva à conclusão de que «o ruído não é levado a sério por muitos órgãos e serviços públicos».

O relatório sobre prevenção e controlo do ruído – a que o SOL teve acesso e que estará em consulta pública até 15 de Dezembro –, foi elaborado com base num inquérito às 308 autarquias, ao qual responderam 75%. E contém conclusões surpreendentes.

Receberam apoios,mas não compraram material

Segundo as respostas das próprias autarquias «a grande maioria dos municípios (86,5%) carece de meios humanos e técnicos para as medições». Isto, apesar de nos últimos anos ter havido vários apoios financeiros à aquisição deste material. Aliás, dados oficiais mostram que 188 municípios «receberam apoios da Administração Central para a formação de recursos humanos e/ou para a aquisição de meios técnicos» – mas apenas 52 das câmaras inquiridas confirmaram ter recebido estes subsídios.

«É de assinalar ainda que, embora tendo beneficiado de apoios, alguns municípios afirmam continuar a não dispor dos meios técnicos», realça o provedor, Alfredo José de Sousa.

Mais insólita ainda é a resposta da Câmara de Caminha, que justificou a não participação no inquérito com o facto de não dispor de um Regulamento Geral de Ruído, situação que contraria a lei e que a Provedoria diz demonstrar como a autarquia «ignora simplesmente as atribuições municipais neste domínio».

PDM de Lisboa pode ser ilegal

Entre as 244 autarquias que responderam, porém, só Porto e Vila Nova de Gaia possuem serviços «acreditados para a realização de ensaios e medições acústicas» necessárias para verificar o cumprimento do Regulamento Geral do Ruído. Há 40 câmaras, aliás, que, apesar de não terem meios próprios, declaram «não recorrer sequer aos serviços de entidades acreditadas».

A falta de meios generalizada leva a outros dois grandes problemas detectados pela Provedoria: os atrasos nas medições e os pedidos de pagamentos de taxas ou cauções que as câmaras cobram para que empresas privadas realizem os testes.

Desde 1995 que a lei não permite a cobrança de cauções, por se ter entendido que era uma forma de dissuadir os queixosos. No entanto, muitos são os municípios que continuam a cobrar taxas, variando entre os 30 e os 500 euros. «Não é de admitir que um município pretenda transferir para os particulares queixosos os custos de uma tarefa pública que lhe compete», adverte o provedor de Justiça.

O facto de as medições do ruído levarem, em média, 30 a 60 dias a serem realizadas depois de feita a reclamação é outra falha grave apontada no relatório.

Também problemática é a atribuição de licenças especiais de ruído, sem medidas de prevenção nem fiscalização posterior: «Apenas 10,8% das câmaras municipais que afirmaram ter emitido licenças especiais de ruído estabeleceram no teor do alvará medidas adequadas a precaver ou debelar a incomodidade para terceiros». E há até licenças que nem especificam a natureza da actividade ruidosa ou a sua localização exacta.

No caso de Lisboa, há ainda um perigo relacionado com o novo Plano Director Municipal (PDM) – que simplesmente não prevê a existência de qualquer zona sensível em termos de ruído em toda a cidade. Segundo a lei, as áreas sensíveis são para uso habitacional, escolas e hospitais, podendo ter apenas pequenos comércios para a população local. Mas esta categoria desaparece em Lisboa com o novo PDM, ficando todo o concelho como zona mista.

Esta alteração pode, segundo a Provedoria, «suscitar reservas quanto à sua legalidade», já que o Regulamento Geral do Ruído não deixa aos municípios «a faculdade de não estabelecer zonas sensíveis nos planos de ordenamento».

Contactada pelo SOL, a Provedoria não quis comentar o documento, explicando que «só depois de a consulta pública terminar serão produzidas conclusões definitivas, com vista à elaboração do Manual de Boas Práticas».

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