sábado, 10 de novembro de 2012

Remodelar a coligação CDS/PSD?


Autor: José António Saraiva

Uma vez mais, não me arrependi de escrever contra a corrente. Numa altura em que a classe política, a maioria dos comentadores e a quase totalidade dos jornais falavam de uma «remodelação iminente», escrevi que isso não fazia sentido.
Por muitas razões: porque significaria um atraso em muitos dossiês (numa altura crítica, em que o país está sob resgate), porque seria uma cedência à pressão mediática e porque não travaria a contestação social.

Na verdade, a contestação a que temos assistido nos últimos tempos, designadamente desde as manifestações de 15 de Setembro, não tem que ver com o ministro A ou B – tem que ver com as políticas de austeridade.

Não são as pessoas ou os ministérios que estão em causa; o que se contesta é a política global do Governo e as duras medidas que tem tomado.

Sendo assim, uma mudança de ministros não resolveria nada.

Teria custos certos em tempo e dinheiro, mas benefícios muito duvidosos.

Passos Coelho terá pensado o mesmo – e o ajuste que fez na semana passada não envolveu nenhum ministro.

Outra coisa que desaconselhava uma remodelação é que os três ministros mais odiados – Vítor Gaspar, Miguel Relvas e Álvaro Santos Pereira – não poderiam sair. E fazer uma remodelação e não tirar nenhum destes ministros seria motivo para novas polémicas.

Mas não poderiam sair porquê?

Vítor Gaspar não poderia sair porque se tornou o símbolo da disciplina, da teimosia e do rigor, constituindo hoje uma ‘garantia’ para os credores estrangeiros.

Tirá-lo, nestas condições, constituiria um duplo mau sinal.

A nível interno, daria ideia de que a austeridade iria abrandar – o que é impossível.

A nível externo, despertaria a desconfiança dos credores, pondo Portugal outra vez debaixo do olho dos mercados.

Além disso, nunca se tira um ministro das Finanças por ser ‘impopular’.

Já se viu no mundo algum ministro das Finanças ser popular em tempo de vacas magras?

Quanto a Miguel Relvas, a questão é que foi (e ainda é) alvo de uma tentativa de linchamento mediático – e o primeiro-ministro não poderia dar cobertura a isso, dispensando-o.

No caso da licenciatura, Relvas não praticou nenhum crime, que se saiba, não cometeu nenhuma irregularidade, e se a universidade lhe deu indevidamente o diploma deve retirar-lho (a ele e aos outros nas mesmas circunstâncias).

Aliás, isso está a ser alvo de um inquérito oficial.

Mas a questão da licenciatura não tem nada que ver com o Governo.

Atrevo-me a dizer que a campanha contra ele foi grandemente ampliada pelo facto de ter nas mãos o dossiê escaldante da privatização da RTP.

Ora essa era mais uma razão para Passos Coelho não poder tirá-lo.

Quanto a Álvaro Santos Pereira, o caso é ainda outro.

Onde seria possível descobrir um novo ministro da Economia sem dinheiro para lhe dar?

Seria como contratar um treinador de futebol e pedir-lhe para ganhar jogos sem lhe permitir gastar um tostão em jogadores.

Portanto, Santos Pereira vai fazendo o que pode – apresentou agora um pacote de medidas que revelam imaginação – e não é possível, por enquanto, pedir-lhe muito mais.

Aliás, deve dizer-se que todos os ministros foram para o Governo um pouco ao engano, nunca pensando que o fardo fosse tão pesado.

Mas agora toda a gente já sabe o que a casa gasta – e não será fácil convencer alguém competente a ir para um lugar em que não se ganha grande coisa e onde têm de se ouvir diariamente insultos e enfrentar manifestações hostis.

A sociedade e a política portuguesas assemelham-se hoje a um panelão de água a ferver.

Se Passos Coelho remodelasse agora o Governo, daqui a dois ou três meses os novos ministros estariam tão queimados como estes – e o primeiro-ministro teria gasto sem nenhum proveito o trunfo de uma remodelação.

Uma remodelação governamental só pode funcionar se não for feita sob pressão, se o timing for correcto e se houver um ambiente social que permita criar expectativas positivas e ter alguma esperança nos novos ministros.

Ora, no ambiente negro em que vivemos, com os jornalistas a preferirem sempre as piores notícias, fazer uma remodelação seria apenas queimar mais pessoas.

Seria atirar mais nomes para a fogueira.

Para isso, é preferível deixar estar os que lá estão.

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